"Temos certeza de que vamos arrecadar muito. O problema é como vamos mandar. Não adianta nada coletar toneladas de coisas se você não tem como fazer chegar lá", disse a advogada venezuelana Blanca Montilla
A advogada venezuelana Blanca Montilla, 49, disse à reportagem ter recebido sugestões para abrir uma campanha de arrecadação de alimentos e remédios em São Paulo para levar a seu país natal, mas esbarrou em um problema:
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"Temos certeza de que vamos arrecadar muito. O problema é como vamos mandar. Não adianta nada coletar toneladas de coisas se você não tem como fazer chegar lá".
Os três anos de escassez elevaram a pobreza para 82%, a mortalidade infantil em 30% e levaram ao retorno da difteria. Apesar da crise, o presidente Nicolás Maduro rejeita a entrada de ajuda humanitária oferecida por outros países, incluindo o Brasil.
Após o início da onda de protestos, porém, a repressão à entrada de comida e remédios aumentou. Os agentes fiscais e os militares passaram a apreender a maioria das encomendas que chegam pelo método porta a porta.
Até então, o mecanismo era o mais usado e seguro para mandar os produtos. Sem ele, as associações tiveram que recorrer ao contrabando.
Esse foi o caminho encontrado pela organização Venezuelanos Perseguidos Políticos no Exterior (Veppex) para enviar remédios, artigos de primeiros socorros e máscaras de gás aos manifestantes.
A entidade sediada em Miami é a maior e mais influente da diáspora venezuelana. Seu presidente, o ex-militar José Antonio Colina, disse ter montado uma "logística de guerra" para mandar 600 caixas com 5,4 toneladas de insumos ao país caribenho.
A decisão foi tomada depois do extravio de cerca de 200 caixas enviadas pelo porta a porta. Segundo Colina, as doações vão em aviões particulares a aeroportos colombianos perto da fronteira e passam à Venezuela pelo que chama de "vias alternativas".
"Já prevíamos essa situação quando eles se negaram a permitir um canal humanitário que permite a entrada de comida e remédios":
Questionado pela reportagem sobre o financiamento da operação, ele disse que a entidade só pagou US$ 200 (R$ 654) para custear a logística na Venezuela. Os aviões foram doados e os atravessadores são voluntários, afirma.
O Programa de Ajuda Humanitária à Venezuela, um dos poucos que conseguem fazer chegar comida e alimentos, foi um dos mais afetados pelo ataque às encomendas.
A ONG, fundada em 2014, atende a 90 entidades e permite doações em dinheiro. Segundo sua diretora, Marisol Diéguez, foram enviadas 181 toneladas de ajuda desde a fundação.
Embora tenha usado o acesso ilegal há três anos, Diéguez nega, por ora, que recorrerá ao método. Para isso, diz confiar em informações de parceiros na internet.
"Isso nos serve para tomar decisões e, com isso, evitamos colocar em risco o envio das doações. Elas estão saindo no momento oportuno, que é o mais seguro", disse.
A entidade publica fotos das doações, mas oculta nomes e rostos dos beneficiários.
"Quando recuperarmos a liberdade e a soberania do nosso país divulgaremos a informação", comenta Diéguez.
Outra forma de mandar ajuda pelo porta a porta era comprando a comida em falta na Venezuela em sites nos EUA, mas o preço é salgado.
Uma cesta com os mesmos itens e quantidades das dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap) sai por US$ 139 (R$ 457) -55 vezes mais que os 15 mil bolívares (R$ 8) que o governo cobra.
Os Clap são a aposta de Maduro para a falta de alimentos. O governo anunciou que as cestas já chegaram a 6 milhões de famílias, mas a entrega é irregular e beneficia as bases de militantes chavistas.
Para tentar resolver a situação dos remédios, o presidente disse em março que pediria ajuda à ONU para recuperar a produção. Dois meses depois, o projeto não avançou.
OPERAÇÕES
O cenário se complicou nesta semana ao ser lançada uma operação para impedir a entrada de equipamentos para os manifestantes.
Na terça (27), o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, ameaçou as transportadoras. "Se sua empresa permite que cheguem equipamentos a terroristas, então contra vocês também se deve aplicar a lei antiterrorismo".
Ao lado de sua mesa, o resultado de uma apreensão. Salvo estilingues, bolas de gude e de golfe, que podem ser usados como armas, o resto era de máscaras contra gás, um megafone e uma caixa de primeiros socorros. Com informações da Folhapress.